Trem das Cores

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Na clínica

Na clínica com minha mãe. Nossa rotina semanal. Ela engordou 2,5kg no último mês, e está muito feliz!
Eu sempre imaginei que clínicas de quimioterapia eram lugares tristes, cheio de pessoas carecas e com cara de... doentes, infelizes. Foi uma surpresa quando vim aqui pela primeira vez com minha mãe, há dois meses. Nenhuma pessoa sem cabelo, todos bem arrumados, alegres, conversando muito. Alguns vem sozinhos, outros com marido, filhos, amiga, pai, mãe, etc. Leem livros, revistas, ouvem música em seus ipods. Alguns dormem. Parece que estamos na sala de estar da casa de alguém. Poucos parecem realmente doentes. Foi uma surpresa boa, claro. Serviu para desmitificar aquela falsa impressão que eu tinha.
Aliás, a experiência toda do câncer da minha mãe tem sido importante para desmitificar vários conceitos errados, vários preconceitos que nós tínhamos (quando digo "nós", falo de mim, meu pai, minha mãe e meu irmão). Há algum tempo, falar que alguém tinha câncer era praticamente uma sentença de morte, pois somente uma minoria era curável. Hoje não é nada disso. Mas ainda temos essa impressão, quando se ouve falar que "fulano está com câncer". Aí acontece com a sua família, com você, e a coisa muda completamente.
Descobrimos o câncer da minha mãe no fim de janeiro. Câncer de pâncreas, com metástase no pulmão. A primeira reação minha, do meu pai e do meu irmão foi pânico. A primeira coisa que eu pensei foi: minha mãe vai morrer. E eu não estou preparada para isso, ela ainda é nova, tem muita coisa pra viver. Eu quero dar netos pra ela, uma coisa que ela quer tanto. Quero que ela me veja feliz, realizada, com minha própria família, outra coisa que ela quer tanto. É impressionante: descobri que minha mãe está com câncer e só conseguia pensar em mim, nas coisas que eu queria fazer ou que eu queria que acontecessem comigo. Por que o ser humano é assim, tão egoísta?
E minha mãe, ao receber a notícia: calma. É um tumor maligno. Ela calma. Tem metástase. Calma. É no pâncreas, não tem como operar, só tratamento. Calma. Não tem cura. Calma. E assim foi ela, minha mãe, ela, que recebeu um diagnóstico tão temido, que nos acalmou, nos tranquilizou.
Uma coisa importante pra mim foi uma conversa que tive com meu irmão. Mandei um e-mail pra ele falando da minha tristeza, de como eu estava mal com a notícia e com as perspectivas ruins. A resposta dele foi, simplesmente: "Ká, nossa família é muito linda. Temos muito amor. Vamos sair dessa." E pronto. Aí me deu um clique. Liguei pra ele pra comentar o e-mail que ele me mandou. Eu queria saber se tinha entendido certo o que ele escreveu. E tinha. Nossa família realmente é muito linda, e temos sim muito amor. E deixamos isso claro um para o outro, sempre. Eu te amo, eu te amo, eu te amo, são palavras que sempre foram ditas na minha casa. Não há mágoas, rancores, ressentimentos, coisas não ditas. Nós nos amamos, curtimos o tempo que passamos juntos, estamos sempre juntos, gostamos da companhia um do outro. Não há e não houve grandes brigas, decepções, inveja, ciúme, esses sentimentos mesquinhos que existem em tantas famílias. Então entendi o que ele quis dizer: aconteça o que acontecer, estamos juntos, nos amamos e vamos passar por isso juntos. E quando eu li isso minha percepção de tudo o que estava acontecendo mudou completamente. Fiquei mais calma, sabendo que tudo ficaria bem, de uma forma ou de outra.
Em momento algum nos revoltamos com o diagnóstico. Ninguém perguntou "por que comigo?", "por que com minha mãe?". Essas coisas não escolhem endereço, acontecem com todo mundo. Por que não comigo? Minha mãe também pensa assim. Ficou calma, aceitando a doença e, ao mesmo tempo, se preparando para lutar com todas as forças contra "o bicho dentro da barriga dela", como brincamos. Claro que de vez em quando ela chora, principalmente quando alguém que faz tempo que ela não vê vai visitá-la. Mas fora isso, está ótima. Vai ao shopping, vai pintar o cabelo, vai ao banco, ao supermercado. E nossas reuniões familiares continuam sendo divertidas, animadas, amorosas, como sempre foram.
E aí as coisas começaram a acontecer. Ela fez uma pequena cirurgia para fazer a biópsia, no começo de fevereiro. O resultado foi confuso, até para os médicos. O tumor que minha mãe tem não é aquele tumor de pâncreas agressivo, que mata em poucos meses. É um tumor raro de pâncreas. Os médicos dela não tem certeza até agora exatamente do que se trata. Mas tudo indica que o bicho não é tão feio quanto parecia ser. Há dois meses ela começou a fazer quimioterapia. Uma sessão por semana, durante 6 meses. Ela não teve NENHUM efeito colateral. Não caiu cabelo, e nem vai cair. Ela não tem enjôos (acho que esse acento caiu tb, não foi?), não tem nada. Nada. E ainda por cima está engordando, contra todas as probabilidades.
A médica dela quer esperar mais um pouco para fazer novos exames, novas tomografias. Parece que o tumor regrediu, pelos resultados dos últimos exames de sangue que ela fez.
Com isso tudo eu perdi aquele medo dessa doença que, hoje, não é tão fatal quanto costumava ser. Mesmo tumores mais sérios que o da minha mãe tem tratamentos mais modernos, perspectivas maiores de vida, de cura. A palavra câncer não tem mais aquele peso que tinha, para mim.
Não estou reagindo friamente: sei que se minha mãe piorar e, enfim, se o pior acontecer, vai ser um sofrimento sem precedentes na minha vida. Mas eu sei que, aconteça o que acontecer, vamos superar isso juntos. Porque somos uma família linda e temos muito amor. :)
posted by Karime at 15:00

2 Comments:

É, Kaká. Apesar do seu "tom" ameno, o câncer ainda é um assunto proibido.
Deus abençoe que tudo dê certo pra sua Mãe e que ela supere essa doença o mais rápido possível.O otimismo, a aceitação, o tratamento certo, a atenção dos médicos, tudo ajuda. Força, aí, mais do que já estão tendo, fé em Deus!

1 de maio de 2009 às 12:34  

Kaká, lindo o seu post e essa declaracão de amor por sua família. Espero que tudo dê certo pra sua mãe e que esse tratamento seja muito bem sucedido e logo ela esteja esbajando saúde novamente.

1 de maio de 2009 às 16:56  

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